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segunda-feira, 22 de abril de 2013

OS TRANSPORTES PÚBLICOS E A PRIVATIZAÇÃO

A polêmica a respeito da privatização ou não do Complexo Desportivo do Maracanã, que eu abordei nesse post aqui, trouxe a tona o debate a respeito de outras privatizações feitas no final dos anos 90 e começo dos anos 2000: a privatização dos meios de transporte no Rio de Janeiro. O carioca usuário dos serviços dos trens, metrôs e barcas enfrenta hoje um verdadeiro caos nesses transportes, privatizados há aproximadamente 15 anos sob o pretexto de que o Estado não conseguia prestar um serviço satisfatório. A promessa era a de que, privatizados, trem, metrô e barcas passariam a prestar um serviço de excelência, pois a iniciativa privada, teoricamente, tem a verba que falta ao Estado para investir na melhoria do sistema. Mas parece que só teoricamente. Porque no dia 13 de abril, o jornal O Dia, que é voltado para o público de classe média baixa, usuários do transporte público, trouxe como reportagem de capa uma matéria sobre o caos no transporte ferroviário do Rio. 


Partindo dessa reportagem, o blog Cidades Possíveis perguntou: 15 anos não é tempo suficiente para se melhorar o sistema ferroviário?  Infelizmente, essa situação não é exclusividade da Supervia. Reforço, então, o coro: depois de 15 anos o carioca não deveria estar usufruindo de um transporte “de primeiro mundo”? Aliás, para fazer jus à tarifa “de primeiro mundo” que ele paga (que nós pagamos).

Curiosamente, muitas pessoas ainda hoje veem a privatização como solução para os problemas de mau funcionamento dos serviços públicos. Infelizmente, essas pessoas não percebem que esse mal funcionamento é fruto de um processo de sucateamento dos serviços públicos, levado a cabo durante décadas por governantes que estavam mais preocupados com interesses particulares do que com o interesse público. Com os serviços públicos sucateados é fácil construir a ideia de que o serviço particular é sempre necessariamente melhor do que o público, e conseguir com que boa parte da população brasileira apoie qualquer iniciativa de privatização desses mesmos serviços. Mesmo de serviços essenciais, direitos do cidadão, e que deveriam ser garantidos pelo Estado, tais como a saúde, a educação e o transporte. Essa defesa da privatização é hoje alimentada pela onda neoconservadora que se espalha pelo país disseminando um ideário político, econômico e social liberal que prega o Estado mínimo. Ou pior, Estado nenhum. Pois acredita que em todas as áreas a livre concorrência sempre é capaz de regular o mercado, beneficiando os usuários. Eu tenho a impressão de que nem o próprio Adam Smith acreditava verdadeiramente nessa ideia. De todo modo, consigo entender perfeitamente a crítica à nossa tradição estatista e a necessidade de diminuição das áreas de atuação do Estado. Durante muito tempo o Estado brasileiro monopolizou serviços que não podem ser considerados como de primeira necessidade, e onde a livre concorrência (se isso existisse de verdade) faria um grande bem. Como os serviços de telefonia, de informática, ou de correios, por exemplo. O grande número de reclamações contra as empresas de telefonia que atualmente se registram no Procon ou em sites como o Reclame Aqui, porém, nos mostra que alguma coisa está não está certa nesses processos de privatização. 

Acompanhei de perto, como usuário, o processo de privatização do metrô e das barcas. O metro foi privatizado porque, dizia-se, dava prejuízo para o Estado. Apesar de ser motivo de orgulho para a população carioca. Enquanto ainda era um serviço público, o metro do Rio era um meio transporte seguro, pontual e confortável. Na verdade, o processo de privatização do metro transferiu para o controle da iniciativa privada apenas a operação dos trens (leia-se aqui, a cobrança das passagens). A manutenção de trens e da linha, assim como a aquisição de novas composições continuou (e continua) a cargo do Estado. Ou seja, a parte lucrativa ficou na mão dos empresários, enquanto a parte mais cara da operação do sistema continuou sob a responsabilidade do Estado. Foge à minha capacidade de compreensão por qual lógica se livrar da parte lucrativa da operação faria com que o metro parasse de dar prejuízo ao Estado. Para deixar de dar prejuízo e passar a dar lucro, a primeira medida tomada pela concessionária foi uma demissão em massa de funcionários. Por outro lado, os investimentos feitos pela concessionária concentraram-se quase completamente na identidade visual do serviço. Uma reforma em algumas estações dotou-as de escadas rolantes. Mas não em todas, e foi só isso. A questão é que, nesses 15 anos de operação privatizada a qualidade do serviço prestado pelo metrô caiu em proporção inversa à alta do preço da passagem. Hoje temos o metro mais caro do país. A página Metrô que o Rio precisa, do Facebook, vem postando diariamente as fotos que mostram a situação de caos no transporte metroviário.  



O processo de privatização do serviço de barcas que liga o Rio de Janeiro a Niterói, Paquetá e Ilha do Governador foi ainda mais escandaloso. Em primeiro lugar porque integravam o consórcio que venceu a disputa para assumir o controle do sistema, nada mais nada menos do que uma empresa de ônibus que já fazia o transporte rodoviário de passageiros entre Rio e Niterói e uma empresa que já fazia parte do grupo que tinha assumido a operação da ponte Rio-Niterói (privatizada 4 anos antes das barcas). Dessa forma, essas duas empresas passaram a controlar o lucrativo serviço de transporte marítimo e rodoviário de passageiros entre as duas principais cidades do Estado. Em suma, uma privatização não para estimular a livre concorrência mas para acabar com ela e gerar um monopólio. Deixando o usuário sem opção. Um post no blog do jornalista Luís Nassif expõe em detalhes o resultado desse monopólio, e nos passa a impressão de que a concessionária tinha a intenção de beneficiar a travessia rodoviária da Baía da Guanabara e não o transporte marítimo. Ao longo desses 15 anos de concessão os investimentos no sistema também foram mínimos, e a concessionária deixou de cumprir com várias obrigações previstas no contrato de concessão.  Se, por um lado, ela “modernizou” os serviços na Estação da Praça XV (apenas aí, os outros continuaram iguais a antes, pelo que sei); por outro lado, o preço da passagem subiu vertiginosamente chegando ao cúmulo de sofrer um reajuste da ordem de 60% em 2012 (a travessia entre Rio e Niterói passou de R$2,80 para R$ 4,50). Assim como no caso do metrô, o serviço prestado pelas barcas foi se deteriorando ao longo desse tempo. O serviço prestado pela antiga Conerj podia não ser dos melhores, mas estava muito longe de se assemelhar da situação atual, quando na hora do rush a fila para entrar na estação da Praça XV chega até a Rua Primeiro de Março!! Se você que me lê não é morador do Rio, procure Praça XV e Rua Primeiro de Março no Google Maps e pasme. A situação precária do serviço oferecido hoje pela CCR Barcas foi recentemente motivo de uma manifestação deusuários indignados por ocasião da divulgação de mais um aumento de tarifa.



O resultado do caos nos transportes ferroviário e marítimo do Rio é uma maior procura pelo serviço dos ônibus e das vans. Hoje 70% do transporte de passageiros na Região Metropolitana do Rio é feito por ônibus. O que nos leva a concluir que deu certo a estratégia dos empresários de ônibus para eliminar a concorrência ao serviço que eles prestam. Um serviço que também vive à beira do caos, com ônibus velhos, sujos, inseguros e que não dão conta da demanda nos horários do rush. Um serviço que, sobretudo, tem um impacto direto na qualidade de vida do cidadão. Pois, na medida em que as cidades crescem e aumentam as distâncias e o tempo de deslocamento entre a casa e o trabalho ou entre a casa e o lazer, o problema da mobilidade urbana se torna crucial para a qualidade de vida dos seus habitantes. Levar 10 ou 20 minutos a menos no trajeto do trabalho para casa pode significar mais tempo para o lazer, para ficar com a família, para cuidar da educação dos filhos. Pode significar também menos procura aos hospitais, a psicólogos, a psiquiatras. Ninguém ignora que o transito é uma das maiores causas de stress da sociedade contemporânea. E que os transportes ferroviário e marítimo levam grande vantagem com relação ao modelo rodoviário porque não causam, e portanto não enfrentam, engarrafamentos. Porém, quando a cidade começa a se preparar para sediar os grandes eventos de 2014 e 2016 qual a grande inovação que a administração municipal apresenta para o sistema de transporte de passageiros na cidade? O BRT (Bus Rapid Transit). Que nada mais é do que um corredor exclusivo para... ônibus.

O que é preciso entender de uma vez por todas é que o transporte público deve ser considerado direito dos cidadãos e a sua prestação não pode ficar à mercê dos caprichos do mercado, ou pior, do interesse particular de meia dúzia de empresários, para quem o lucro sempre vem em primeiro lugar. Infelizmente a administração municipal e estadual do Rio parecem estar pensando justamente no sentido contrário. Privatiza-se o transporte público, que para dar lucro tem que funcionar no limite da sua lotação e com o mínimo de investimento, e obriga-se os cidadãos a enfrentarem filas e preços absurdos ou a comprarem um carro particular (aqueles que tem condições de fazer isso), e aumentar o fluxo de carros nas ruas. Aumentando os engarrafamentos, a poluição do ar e sonora e o stress. E, assim, todos saem ganhando: donos de empresas de ônibus, donos de concessionárias, donos de postos de gasolina, donos de planos de saúde, donos de hospitais... Só quem sai perdendo é o cidadão. Mas, pelo visto, o interesse do cidadão é o que menos importa nesse processo.

6 comentários:

  1. Peço desculpas pela formatação do texto. É tudo culpa desse maldito blogspot que desconfigura todo o texto.

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  2. Estava eu terminando de escrever esse post na semana passada e o jornal O Globo publicou esta matéria: http://oglobo.globo.com/rio/trens-metro-barcas-apresentaram-problemas-nesta-manha-8147667

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  3. Parece até gozação mas, para completar, a Prefeitura anunciou mais um aumento de tarifa nos transportes "públicos". http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/04/transporte-publico-do-rio-deve-ser-reajustado-em-junho-diz-prefeito.html

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  4. Nunca é demais lembrar que as concessionárias de transporte fazem o que querem no Rio porque não tem fiscalização por parte do Estado. Muito pelo contrário, a esposa do atual governador é advogada tanto da CCR Barcas, quanto da Supervia e do Metro Rio.

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  5. O teu texto central para elucidar um dos pontos que mais merecem atenção hoje: a promiscuidade das relações entre poder público e privado em larga escala e, pontualmente, o transporte público nas cidades. Poderíamos acrescentar as máfias de vans e taxis que atuam sem fiscalização. É o domínio da Casa invadindo o Estado meu amigo! Parabéns pelas reflexões e forte abraço!

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    1. Bem pensado, Daniel. Obrigado pelo comentário. É o problema das parcerias público-privadas onde o interesse privado está acima do interesse público.

      Seguindo, então, o raciocínio do Ilmar, o Estado brasileiro hoje age na direção oposta da que agia no tempo do Império. E olha que no Império é que o Estado era considerado patrimônio do monarca.

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