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terça-feira, 25 de março de 2014

REFLEXÕES SOBRE A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE JUIZ DE FORA - parte 2

Peço perdão pela demora em publicar a segunda parte da minha aventura pelos caminhos tortuosos da Câmara Municipal de Juiz de Fora em busca de alguma espécie de proteção ao patrimônio cultural da cidade por parte dos vereadores. Mas aí está.
Enviado o e-mail fiquei esperando as respostas. Na verdade, não era a primeira vez que eu mandava esse e-mail para os vereadores. No segundo semestre de 2012 eu já havia enviado a mesma mensagem. Mas, como naquele momento os vereadores estavam em fim de mandato, todos muito mais preocupados com suas campanhas de reeleição do que em responder cidadãos inconvenientes, eu não esperava mesmo que dessem muita atenção ao meu e-mail. Por isso, resolvi repetir a dose no começo de 2013, pegando os vereadores em começo de mandato. Mais interessados e com mais vontade de trabalhar (ok... isso foi uma piada). A maioria absoluta dos vereadores da legislação anterior se reelegeu. O que significa que, na prática, poucos estavam realmente em começo de mandato. E acho que nenhum estava com vontade de trabalhar (isso NÃO foi uma piada).
O fato é que a minha mensagem foi solenemente ignorada por 17 dos 19 vereadores que compõem a Câmara Municipal. Inclusive por vereadores de partidos que tradicionalmente tem entre as suas bandeiras de luta a defesa das questões sociais, da cultura e do patrimônio público. E até mesmo por um vereador com nome de remédio que fazia questão de se mostrar muito ativo nas redes sociais para poder dizer que está próximo do eleitorado e ouvindo o cidadão. Para esse, mandei a mensagem por e-mail e pelo facebook, depois de entrar em contato com a sua assessoria de comunicação. Não recebi sequer uma resposta padrão, do tipo: “agradecemos o contato e responderemos em breve”. Apenas silêncio. A essa altura do campeonato alguns já devem estar pensando: “Esse recalcado está escrevendo esse post só para ficar de mimimi porque ninguém deu a mínima para o que ele falou”. Óbvio que eu não tomei esse descaso como algo pessoal. Mas sim como um descaso com o patrimônio cultural da cidade. O que é muito pior! O fato é que, e eu só percebi isso depois, o que eu concebia como um possível diferencial na atuação de um vereador, na visão deles (pelo menos da maioria deles) era uma grande dor de cabeça que todos se esforçavam por evitar. Por trás desse desinteresse havia a defesa de outros interesses.
Como escrevi antes, a preservação do patrimônio cultural se vê sempre em conflito com interesses outros no uso do espaço urbano. E esse conflito é bastante acirrado aqui. A área central da cidade, particularmente, é alvo constante das construtoras em busca de novos espaços para novos empreendimentos imobiliários. Mas, como o centro de qualquer cidade, é uma área onde não sobra espaços vazios. Via de regra, os novos espaços criados na área são conseguidos com a derrubada de imóveis antigos. Imóveis que, muitas vezes, testemunham a primeira ocupação daquele espaço e que deveriam preservar a história da cidade, a memória dos seus habitantes. Mas que não estavam protegidos pelo tombamento certamente devido à pressão das construtoras e ao desejo dos proprietários de ganhar uma pequena fortuna na venda de um terreno na área mais valorizada da cidade. Nos últimos anos, a principal avenida de Juiz de Fora perdeu alguns casarões do inicio do século XX, derrubados para dar lugar a caixas de concreto e vidro de 20 andares ou, o que é pior, para dar lugar a estacionamentos (o que equivale a dizer a espaços vazios), atendendo à demanda sempre crescente da frota de veículos particulares (problema que comentei nesse post). O que eu não sabia quando enviei o e-mail é que muitos vereadores tinham sido eleitos com o apoio (leia-se financiamento) justamente de empresários da construção civil ou do ramo de transportes, que não conseguem ver no patrimônio cultural nada além de um monte de prédios velhos que devem ser destruídos para que o “progresso” possa chegar na cidade. Isso quando não são esses empresários mesmos que se elegem para representarem os próprios interesses no legislativo municipal, como é o caso de um vereador daqui dono de uma empresa de ônibus e de uma autoescola. 
A primeira resposta veio logo alguns dias depois de enviado o e-mail. Mas vou deixar para comentar essa resposta por último, pois ela tem desdobramentos. Recebi uma segunda resposta apenas uns oito ou nove meses depois. Nela, o vereador, em tom de propaganda do seu mandato, me informava que estava em votação na Câmara Municipal um projeto de lei de sua autoria que concederia redução de impostos para empresas privadas que “adotassem” algum monumento do Parque Halfeld (ou seja, que cuidassem da sua manutenção). Tal projeto, que para o seu autor parecia uma saída viável para a preservação do patrimônio cultural da cidade, me pareceu pouco mais do que inócuo. Antes de qualquer coisa, pelo seu reduzido alcance. O Parque Halfeld, apesar de ser a principal praça da cidade, é apenas um bem em um acervo que hoje conta com mais de 170 bens materiais tombados. E, na minha opinião, está longe de ser o mais importante deles. Pior do que isso, o projeto de lei me pareceu um exemplo daquelas parcerias público-privadas que (infelizmente) estamos ficando acostumados a ver, onde os reais interesses agraciados são os interesses privados e não o interesse público. Fico me perguntando se, na atual situação crônica de endividamento dos governos municipais, estes podem realmente abrir mão dos impostos pagos pelas empresas. Os governos municipais se mantêm apenas com os impostos pagos por particulares? Creio que os constantes aumentos de IPTU nos dão uma pista para responder essa questão.
Tais parcerias público-privadas tem se transformado na principal estratégia de gestão dos governos que leem pela cartilha neoliberal do Estado mínimo. E seu principal efeito é fazer com que o Estado se desonere das suas obrigações. Quero deixar claro que não sou contrário à participação da iniciativa privada na preservação do patrimônio cultural. Como já afirmei anteriormente, acredito que o patrimônio cultural pode e deve ser explorado comercialmente. Creio mesmo que somente enxergando o potencial econômico do patrimônio cultural, os empresários que atuam no espaço urbano vão deixar de vê-lo apenas como prédios velhos que atrapalham o seu objetivo de ganhar dinheiro. Um bem preservado e explorado de forma inteligente pode gerar tanto dinheiro quanto um bem derrubado. Me parece uma maneira de evitar a eterna queda de braço entre o interesse público e os interesses privados na qual o primeiro sempre sai perdendo. 
Porém, também há aspectos negativos nessa proposta de deixar a preservação do patrimônio cultural única e exclusivamente nas mãos da iniciativa privada. A mais evidente é que apenas os bens lucrativos seriam preservados. E, só seriam preservados enquanto se mantivessem lucrativos. Além disso, outras questões devem ser levadas em conta na preservação do patrimônio cultural. O patrimônio cultural de uma cidade conta a história daquela coletividade e faz parte da construção da sua identidade. É o que faz com que os habitantes de uma cidade se reconheçam no lugar em que vivem, ao encontrar no espaço urbano extensões materiais das suas memórias. O que traz à tona também a questão da cidadania. Ou seja, do direito de se ver representado no espaço urbano. De fazer parte dele. E a memória, a identidade e a cidadania de uma coletividade não pode ficar a mercê do humor do mercado. 
E é por isso que eu acho perigosas essas propostas de parceria público-privada. Principalmente quando se relacionam com a questão da preservação do patrimônio cultural. Simplesmente porque elas não garantem a sua preservação. A não ser quando essa preservação combina com os interesses privados. Mas, é preciso lembrar que a formação de um patrimônio cultural, na sua própria concepção, é uma declaração do interesse público de determinados bens culturais. Essa consideração do interesse público deve vir sempre em primeiro lugar. Por isso, o Estado não deve se omitir do seu dever de ser o garantidor da perenidade do patrimônio cultural. Para que ele não simplesmente deixe de existir quando o empresário responsável pela sua preservação encontrar outra forma mais lucrativa de ganhar dinheiro. Um bem cultural que é preservado durante um tempo e depois é abandonado e deixa de existir não cumpre a sua função social como patrimônio cultural. E é por isso também que não deveria existir em nenhuma legislação de preservação do patrimônio cultural a figura do famigerado “destombamento”. Mas, deixarei para comentar sobre destombamento em outro texto exclusivamente dedicado ao tema. 
Como esse texto ficou maior do que eu imaginava, deixarei para comentar a outra resposta que recebi no próximo post.