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sábado, 21 de julho de 2012

O RIO DE JANEIRO NO TEMPO DO REI

Para quem ainda não sabe, eu tenho um livro publicado. Na verdade, é a minha tese de mestrado, que fala sobre as mudanças que o Rio de Janeiro sofreu para a implantação da Corte portuguesa a partir de 1808. O título é "Entre a Corte e a Cidade: O Rio de Janeiro no tempo do Rei", e foi publicada pela Editora José Olympio em 2008, por ocasião da comemoração dos 200 anos da chegada da família real portuguesa. Diga-se de passagem, aquelas comemorações foram surreais. Nunca se falou e escreveu tanta bobagem sobre um assunto. A ponto de D. João VI virar o "fundador da nacionalidade brasileira". Mas isso é assunto para outra postagem... ou não. Mas, no meio de tanta besteira, salvaram-se alguns bons estudos, publicados na coleção D. João VI no Rio, organizada pela Prefeitura do Rio, da qual o meu livro humildemente faz parte. Para quem gosta do período, recomendo que procure os livros dessa coleção. E vou tomar a liberdade de publicar pequenos trechos do meu livro aqui no blog, de vez em quando.

Jean-Baptiste Debret (1768-1848) - Oficial da corte indo ao Palácio (1822)

A história imita a arte. A documentação da Intendência Geral de Polícia registra uma série de desentendimentos entre o Intendente Paulo Fernandes Vianna e o Juiz do Crime do Bairro de Santa Rita, José da Silva Loureiro Borges, mostrando que, na prática cotidiana da polícia joanina "ordem" e "desordem" podiam ter uma convivência muito mais próxima do que o desejado. O primeiro caso aparece em dois ofícios de Vianna dirigidos àquele Juiz, datados de 9 e 10 de setembro de 1811. Neles, Vianna trata daquilo que parece ser um caso de abuso de autoridade por parte de Loureiro Borges, que mandar afixar, por conta própria, um edital de proibição de armas, para o que ele não tinha autoridade.
Esse seria um caso isolado se o abuso de autoridade por parte de Loureiro Borges não continuasse no ano seguinte, como se pode depreender de outros dois ofícios do Intendente àquele mesmo Magistrado. Tratando agora de um caso mais grave: uma prisão indevida motivada, ao que parece, pela cobiça à mulher do próximo. O próximo, no caso, atendia pelo nome de Elias José dos Santos, que havia sido preso e espoliado por Loureiro Borges, como se percebe do ofício de Fernandes Vianna, datado de 14 de fevereiro de 1812:


“Na prisão que V.M. fez de autoridade própria a Elias José dos Santos, ficou-se V.M. com a besta em que ele ia montado, sela e seus arreios competentes, chapéu, botas e esporas e um lenço em que vinham embrulhados 54$200 réis. E tudo isto é preciso que V.M. mande aqui entregar nesta Secretaria, por isso que são coisas de que se não duvida, e aquela besta tem sido vista a trabalhar ao seu serviço”.

O motivo da prisão de Elias, ao que parece, foi uma mulata, da qual Loureiro Borges também se apropriou e que Vianna pede a devolução em ofício curto e direto datado de duas semanas antes (31 de janeiro de 1812): "Mande V.M. já à minha presença uma mulata que estava no seu sítio de Jacarepaguá, e depois passou para outro do Engenho Velho, por cuja causa foi preso Elias de Tal, que assim preciso ao serviço de S.A.R.". Ordem reiterada no ofício de 14 de fevereiro: "V.M. nunca deu conta da mulata, ficando de apresentar, e eu já soube que até estava na sua chácara da Lagoa, o que sendo certo, repare que é isto outro absurdo em que tem caído quando ainda está pendente a ordem que teve para a apresentar". Escondendo a mulata, fazendo-a peregrinar por suas diversas propriedades, Loureiro Borges tenta safar-se da ordem de apresentá-la ao Intendente.
Pela documentação não é possível saber se a mulata era livre ou escrava, propriedade ou esposa do tal de Elias, ou mesmo se esse e o Juiz do Crime apenas disputavam o seu amor. O caso é que Loureiro Borges, magistrado responsável pela manutenção da ordem, oscila em direção à desordem, no intuito de se apropriar da mulata. Na pessoa e nas atitudes de Loureiro Borges, mais uma vez os dois hemisférios se tocam e interpenetram. A documentação também não dá conta do desfecho do caso. E não temos como saber se a mulata foi realmente apresentada ao Intendente. Dos ofícios de Vianna o que se percebe são os esforços do Intendente em evitar o envolvimento em desordens daqueles que eram os responsáveis por coibi-las. (pp. 250 a 253)


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