Eu sumi, eu sei. Peço desculpas por isso (mais uma
vez). E sumi justamente em um momento em que os temas que são o objeto desse
blog ganharam um espaço nunca antes visto nos meios de comunicação alternativos
e de massa e na boca do povo. E isso é o mais grave. Nunca antes na história
desse país (parafraseando alguém), ou nunca antes desde que eu comecei a me
ocupar do assunto (para ser mais modesto), temas como transporte público e
política de mobilidade urbana tiveram tanto destaque. Claro que estou me
referindo ao efeito das manifestações contra o aumento no preço das passagens
de ônibus que eclodiram por todo o país desde o início de junho. E aqui tenho
que pedir desculpas de novo. Não sumi porque estou participando ativamente das
manifestações nas ruas, mas por compromissos profissionais mesmo, que ocuparam
todo o meu tempo nos últimos dois meses. Minha militância no tema “se resume” à
esse blog e à sala de aula. Onde acredito que posso levar um número maior de
pessoas a refletirem sobre o assunto.
Desde o começo das manifestações nas ruas eu quero
escrever algo sobre esse movimento. Mas o tempo estava (está) escasso. Como
todos vocês já devem ter percebido, as manifestações não são sobre 20 centavos.
Mas sim sobre o direito à cidade. Sobre o reestabelecimento da relação entre
cidade e cidadania. Relação que vem constantemente sendo afrontada pelos
governos municipais e estaduais. O aumento no preço das passagens foi apenas a
gota d’água que entornou o balde da insatisfação da população dos grandes
centros urbanos brasileiros com a falta de planejamento urbano e o descaso de
alguns governantes com a situação da mobilidade urbana nas suas cidades. O que
eu venho apontando em diversas postagens nesse blog:
Os moradores
das nossas capitais que cotidianamente são obrigados a se deslocarem entre a
sua casa e o trabalho ou o lazer enfrentam um sistema de transportes
desconfortável, inseguro, nada pontual e, sobretudo, caro. Muito caro para o
serviço que é oferecido. Isso sem contar as quebras constantes (de trens e
ônibus) e os engarrafamentos cada dia maiores. Ir e voltar do trabalho ou do
lazer se tornou uma via-crúcis para moradores de cidades como Rio de Janeiro e
São Paulo. E a culpa dessa situação é da falta de planejamento e investimento,
por parte de prefeitos e governadores em uma política de mobilidade urbana que
garanta ao morador o seu direito de ir e vir sem que precise gastar três ou mais
horas do seu dia em deslocamento.
A população dessas cidades se deu conta de que o
transporte público hoje no Brasil serve não às necessidades da população e sim
aos interesses de empresários do setor e de seus aliados no Poder Executivo e
no Legislativo. E o constante aumento no preço das passagens (sempre bem acima
da inflação e sem a apresentação de planilhas que as justifiquem ) é a prova
mais clara disso. A situação no Rio de Janeiro (já amplamente divulgada na
mídia alternativa) é emblemática. O governador do Estado é casado com a filha
do maior empresário do ramo de transportes do Rio de Janeiro: Jacob Barata,
conhecido como o “Rei do Ônibus”, que veio do Pará para o Rio de Janeiro na
década de 1950 com “uma mão na frente e outra atrás” (como se diz popularmente)
e começou a trabalhar com transporte rodoviário no momento mesmo em os bondes
começavam a ser substituídos pelos ônibus no Rio de Janeiro. Hoje Barata é
proprietário de 25 empresas de transporte em quatro regiões do país. No
maravilhoso mundo de faz-de-conta do capitalismo neoliberal, Jacob Barata seria
um caso de sucesso nos negócios. Um empresário digno e bem sucedido que
prosperou graças ao seu próprio esforço. O que não se conta nessa história é
que o seu sucesso no ramo de transportes dependeu diretamente de um “bom
relacionamento” com sucessivas administrações municipais e estaduais, que
favoreceram o transporte rodoviário nas suas políticas de planejamento urbano
(ou na falta de delas). Sucessivas administrações sim! Porque os atuais Prefeito
e Governador do Rio não são os primeiros a favorecer os interesses dos
empresários do setor. O interesse particular de Barata e de outros empresários
do ramo é há muito privilegiado em detrimento das necessidades da população que
utiliza o serviço. Segundo o jornal O Globo, apenas 4 empresários concentram um terço do transporte rodoviário no Rio. Privilégio que determinou ausência de
investimento em outros modais, como o trem, o metrô ou as barcas (serviços que
se encontram hoje privatizados e sucateados), ou mesmo em uma integração
transmodal, que resolveria muitos problemas de deslocamento dentro da cidade,
mas que certamente reduziria os lucros dos empresários de ônibus. Barata à
frente. Para completar o ciclo, a esposa do governador e filha do empresário é,
também, advogada dos consórcios particulares que administram o transporte
público no Rio: a CCR Barcas, o Metrô Rio e a Supervia.
As manifestações que continuam acontecendo pelo país,
que começaram em São Paulo mas encontram nesse momento o seu maior foco de
concentração no Rio de Janeiro (não por acaso, como pode se deduzir do
parágrafo anterior), denunciam justamente essas parcerias entre o poder público
e a iniciativa privada, onde os cidadãos não tem as suas necessidades levadas
em consideração. Desde bastante tempo, mas principalmente nas últimas gestões
municipal e estadual, a cidade vem sofrendo um processo profundo de
privatização do seu espaço urbano. Tendo agora como desculpa a preparação da
cidade para os megaeventos que já começaram a acontecer, o carioca vem sendo
alijado dos seus espaços públicos de lazer e convivência. Foi-se o Maracanã,
recentemente privatizado, e continua a luta pela preservação do Aterro do
Flamengo. Vem sendo privado do seu direito de estar na rua. E a repressão às
manifestações tem deixado esse fato bem claro. O carioca está indo às ruas para
preservar o seu direito de circular na sua própria cidade sem que precise pagar
pedágio para os grandes empresários, amigos pessoais de prefeitos e
governadores. O carioca cansou de jogar Banco Imobiliário e resolveu jogar
War.
Nenhum comentário:
Postar um comentário